Como antes havíamos anunciado, fazemos agora a publicação do Artigo que apresentámos no Congresso de Construção, em Coimbra no passado mês de Dezembro. Por ser um artigo bastante extenso, faremos essa apresentação, dividida em duas partes. Uma primeira que poderíamos designar de enunciado teórico, e uma segunda , em data posterior, que poderíamos designar de resolução prática. Aqui fica:
1. INTRODUÇÃO
Apesar da relevância de um forte
e tradicional mercado de serviços nesta área, a atividade profissional de
avaliação imobiliária em Portugal padece de “enfermidades” e resiste fortemente
a um “tratamento”. Comparativamente ao que se faz noutras partes do mundo, o
atraso é evidente.
Em primeiro lugar, a profissão
está completamente desregulada. Há duas associações profissionais, a APAE- Associação
Portuguesa de Avaliadores de Engenharia e mais recentemente a ANA- Associação
Nacional de Avaliadores, sem quaisquer sinais de convergência entre ambas e
ambas com representatividade diminuta face ao universo de profissionais. Neste
cenário a CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, parece ter-se
outorgado a si própria a capacidade de estabelecer as condições de registo e
acesso destes profissionais na avaliação de imóveis de fundos imobiliários,
estabelecendo para tal determinados parâmetros e valores mínimos.
Ao nível da avaliação patrimonial
fiscal, que afeta uma grande parte dos portugueses, o cenário é idêntico. Aí, o
código CIMI - Código do Imposto Municipal sobre Imóveis é “a Bíblia” e nada
mais parece importar. Tem havido alguma contestação relativamente ao método de
cálculo da avaliação consagrado no código CIMI, cujas debilidades são cada vez
mais evidentes face à atual degradação dos valores de mercado.
Neste último domínio, da
tributação patrimonial dos prédios urbanos em Portugal e da habitação em
particular, é assaz relevante por razões de Estado, de justiça social e
equidade, conhecer o efetivo e real valor de mercado e de rendimento dos
imóveis. Para tal impõe-se uma profunda reforma legislativa e reguladora da
atividade de avaliar que nos aproxime do estado da arte em uso, em comunidades
técnica e cientificamente nesta profissão mais desenvolvidas. Estamos a pensar
não só no mundo anglo-saxónico mas também na América do Sul, nomeadamente em
países como o Brasil com um regime de avaliação fiscal sobre o património
reconhecidamente bem regulamentado e respeitado, eficiente e apoiado na análise
estatística de mercado.
Entre analistas do mercado
imobiliário e investigadores em engenharia de avaliações é consensual que entre
todas as variáveis que influenciam no valor dos imóveis, as variáveis ou
fatores referentes à localização dos imóveis são as questões mais complexas de
analisar e modelar. Os modelos tradicionalmente utilizados na avaliação em
massa, baseados na inferência estatística por mínimos quadrados, geralmente
apresentam dificuldades para lidar com a complexidade dos fatores de
localização.
Os fatores de localização que
valorizam os imóveis são inúmeros: proximidade aos centros comerciais, centros
de educação, de saúde, segurança pública, padrão construtivo, polos ambientais
desejáveis ou indesejáveis, entre outros. A lista completa destes fatores pode
ser extremamente ampla. Ao mesmo tempo, a dinâmica urbana produz uma contínua
mudança nos efeitos destes fatores sobre o valor dos imóveis: novos
investimentos públicos ou privados, novos empreendimentos económicos,
atividades comerciais, empreendimentos imobiliários, loteamentos, entre outros,
produzem mudanças significativas nas características de cada vizinhança e nos
valores dos imóveis. Quase toda a mudança urbana afeta o valor dos imoveis
próximos, transformando a localização no fator mais dinâmico da sua valorização
e razão de todas as angústias profissionais do avaliador.
Assim, pretendeu-se
desenvolver e adotar para uso pessoal e trabalho profissional, um método de
determinação do valor da localização dos imóveis de uma região a partir da
análise de dados de mercado utilizando modelos de regressão espacial e
geoestatísticos.
Tomou-se sobretudo como base a análise, verificação,
confirmação e simplificação dos processos alcançados por Trivelloni 2005,
melhorando contudo a sua performance
e realizando um novo modelo de avaliação em massa.
Pretende-se também sensibilizar
a comunidade técnica e científica em Portugal para a necessidade e urgência da
adoção de regulamentação e normalização de procedimentos e profissionais no
exercício da atividade de avaliador imobiliário, por forma a conseguir uma
equiparação ao melhor uso e desenvolvimento alcançado no estado da arte noutras
latitudes.
2. Modelos
tradicionais de avaliação em massa
Os modelos tradicionais
de avaliação imobiliária procuram explicar o valor a partir da estimativa por
inferência estatística das variáveis que o influenciam, sendo estas
classificadas em características construtivas próprias do imóvel e
características de localização, de acessibilidade e vizinhança.
As variáveis de
acessibilidade, definidas em função da distância do imóvel a um polo de
valorização ou desvalorização, podem não ser estatisticamente significativas
nos modelos de inferência. Tal poderá ocorrer como consequência de uma
composição insuficiente da amostra ou pela especificação equivocada da função
distância no modelo.
As variáveis de
vizinhança que definem a localização a partir de áreas onde este efeito pode
ser considerado semelhante para os imóveis podem resultar não significativas
por insuficiência na amostragem ou por erros na delimitação destas zonas.
Quando as variáveis
relacionadas com a localização não são corretamente especificadas podem surgir
outros problemas. Além da perda de poder de explicação, a presença de auto correlação
espacial nos resíduos invalida uma das hipóteses básicas da inferência,
tornando ineficientes as estimativas e inválidos os testes de hipótese.
3. Métodos
de análise espacial
A dependência espacial
do valor dos imóveis, produzida pela sua localização, tem mostrado a
insuficiência das técnicas tradicionais de inferência para avaliação em massa,
levando ao desenvolvimento de técnicas de estatística espacial para o tratamento
de dados imobiliários.
Na literatura de
avaliação imobiliária existem duas metodologias para o tratamento espacial dos
dados: a econometria espacial e seus modelos de regressão; o uso da
geoestatística.
Os modelos espaciais
trabalham com dois tipos de dados: os geobjetos e os geocampos. Os geobjetos
são entidades discretas, geralmente representadas nos Sistemas de Informações
Geográficas como pontos, linhas ou polígonos, enquanto os geocampos pertencem a
uma distribuição espacial contínua representada geralmente como superfícies.
Anselin fundamenta (veja-se [2]) a escolha por um ou outro modelo em função do
tipo de dados espaciais considerados. Segundo este autor, os geobjetos devem
ser tratados por econometria espacial enquanto que os geocampos devem ser
analisados com modelos geoestatísticos. No caso do mercado imobiliário os dados
apresentam simultaneamente comportamentos identificáveis como geobjetos e
geocampos, devido à natureza dos fatores que influenciam o seu valor, abrindo a
possibilidade de tratamento por ambas metodologias.
O uso combinado de ambas
técnicas [13] supera algumas das deficiências e limitações dos métodos
espaciais, potencializando as suas vantagens com resultados satisfatórios. Permite
o tratamento adequado para os dois tipos de variáveis que influenciam o valor:
a análise por econometria espacial das características construtivas e a análise
por geoestatística dos fatores de localização.
3.1 Econometria espacial
Segundo [1] a
econometria espacial é a parte da econometria que lida com o tratamento da
estrutura espacial e interações de dados geograficamente distribuídos. A
dependência espacial pode ser incorporada nos modelos de regressão de duas
formas: no modelo de Desfasagem Espacial e no modelo do Erro Espacial. Formalmente,
o modelo de Desfasagem Espacial é expresso da seguinte forma:
Y = ρWy + XB + ε
onde Y é o vetor da variável dependente, ρ é o coeficiente de autocorrelação
espacial, W a matriz de pesos espaciais, X é a matriz das observações nas
variáveis independentes dos dados, B
é o vetor de parâmetros e ε é o
vetor de resíduos do modelo.
Por outro lado, o modelo
do Erro Espacial é expresso formalmente da seguinte forma:
y = XB + ε,
ε = λWε + u
onde λ é o coeficiente de auto correlação espacial, u é o vetor de resíduos não
correlacionados e os outros termos são os mesmos do modelo anterior.
Estudos sobre auto correlação
espacial nos dados do mercado imobiliário e aplicação dos modelos de regressão
espacial podem ser encontrados em [3], [7], [8], [9], [11], [12], [13], entre
outros.
3.2 Geoestatística e Teoria das Variáveis
Regionalizadas
Segundo [6], quando
existe dependência entre uma variável aleatória e a sua localização espacial
essa variável é chamada de regionalizada. A Teoria das Variáveis Regionalizadas
(TVR) dedica-se à análise e inferência espaciais de variáveis que dependem da
localização espacial onde são observadas. Segundo este autor, a variação
espacial de uma variável regionalizada pode ser expressa pela soma de três
componentes. Se o vetor x representa
uma posição em uma, duas ou três dimensões, então o valor da função aleatória Z, em x, é dada por:
Z(x) = m (x) + e¢ (x) + e¢¢
onde m (x) é uma função determinística que descreve a componente
estrutural de Z em x, e¢ (x) é um termo estocástico
correlacionado que varia localmente e e¢¢ é um ruído aleatório não correlacionado, com distribuição
normal com média 0 e variância s2
Considerando uma amostra
Z(x1), ....,Z(xn),
e sendo necessário estimar o valor Z(xo)
num ponto x0, o estimador
de krigagem Zk define-se
como uma combinação linear dos Z(xi)
e dos ponderadores λi conforme
a expressão seguinte (Chica Olmo, 1994):
Zk = Σi λi Zi
Os ponderadores λi serão obtidos de forma
que o estimador Zk seja
ótimo, ou seja, a variância do erro seja mínima. São calculados a partir da
estrutura geométrica dos dados, atribuindo valores menores aos pontos mais
afastados e valores maiores aos pontos mais próximos.
Estudos de aplicação dos
métodos geoestatísticos nesta área da avaliação imobiliária podem ser
encontrados em [5], [6], [10], [13], entre outros.
4. Metodologia
Quando analisado o
mercado imobiliário numa dada região geográfica, em condições semelhantes de
transação e coleta (nomeadamente na mesma época), o respetivo valor dos imóveis
poderá ser obtido através do seguinte modelo geral:
V = f (L,T,CFT)
onde V representa o valor do imóvel, L representa as variáveis de localização,
T representa o tipo de imóvel e FT representa as características
físicas do imóvel em função do tipo.
Segundo [13], entre
outros, o valor de localização dos imóveis, considerado como a interação ou
efeito combinado de todos os fatores que influenciam na vizinhança do imóvel,
pode ser analisado como uma variável regionalizada e modelado por técnicas
geoestatísticas.
A expressão geral do
modelo utilizado é a seguinte:
VU = VL * FTIPO * FCF1 * FCF2 * ... * FCFn
onde VU é o valor unitário do imóvel, VL representa o valor da localização, FTIPO é um fator de correção dependente
do tipo de imóvel e os FCFi
representam fatores correspondentes às características construtivas para cada
tipo de imóvel.
Para estimar VL é necessário
homogeneizar os valores dos dados de mercado em relação às características
construtivas dos imóveis. Em [15] o resultado desta
homogeneização é um conjunto de valores VH que é um índice que expressa a
percentagem não explicada dos valores da variável dependente. Para obtenção
dessa percentagem, as estimativas do modelo espacial serão calculadas sem as
variáveis ou parcelas que na respetiva equação de regressão não sejam atributos
físicos e construtivos. Estas estimativas serão usadas como divisores, do
correspondente conjunto original de valores observados e os quocientes obtidos
serão o novo conjunto de dados VH.
Este conjunto de valores VH representa a percentagem não
explicada do valor unitário do metro quadrado dos imóveis. Isto é, não
atribuível aos atributos físicos e construtivos e em tese, representativa do
valor dos fatores de localização associados aos dados da amostra.
Sendo os imóveis objetos
espaciais a metodologia estatística aplicável para homogeneização pertence à
econometria espacial.
Para a aplicação do
modelo e aferição de valores tomou-se como área de estudo o mercado imobiliário
da Vila e Nazaré excluindo os núcleos de Pederneira e Sítio. Os dados usados
foram compilados no decorrer do ano 2003/04, em processos de avaliação
profissional de forma independente e ao serviço de entidades bancárias como
entidades hipotecárias. São ainda os mesmos dados que serviram de base ao
estudo referenciado em [14]. No total obteve-se informação correspondente a 175
imóveis dos quais 106 eram apartamentos, 25 moradias, 18 comércios e 26
terrenos urbanos. As características levantadas para todos os imóveis foram as
seguintes: tipo de imóvel (terreno, moradia, apartamento ou comércio), localização
(coordenadas geográficas do centro da superfície do lote), área bruta de
construção, padrão construtivo, idade da imóvel transformada em vetustez através da parábola de Kwentzel, para um máximo de trinta anos. A pesquisa
incluiu a área bruta construída e a área total do terreno. A variável “padrão construtivo” assume a notação (1) para padrão baixo, (3)
para médio, (5) para padrão alto. No caso de terrenos a notação incide
exclusivamente sobre a qualidade da envolvente, dos acessos e dimensão
panorâmica.
O padrão construtivo,foi uma classificação feita que reporta
à data do estudo [14].Contemplou uma lista de atributos do tipo SEL e QUALITEL
que incluíram a observação e notação para a envolvente, para os acessos, para o
edifício, para a habitação e para a qualidade do projeto e execução, num total
de 215 atributos. A notação final usada, resulta da ponderação desses
atributos. As variáveis construtivas para os tipos de imóveis foram definidas como
se explicita na Tabela 1.
NOME
|
TIPO
|
DESCRIÇÃO
|
ABCONSTRUÇÃO
|
Continua
|
Área bruta total Edificável (habit.ou comércio)
em m2
|
MORADIA
|
Dicotómica
|
1 se é Moradia, 0 se não.
|
APARTAMENTO
|
Dicotómica
|
1 se é Apartamento, 0 se não.
|
COMÉRCIO
|
Dicotómica
|
1 se é Comércio, 0 se não.
|
VETUSTEZ
|
Contínua
|
Depreciação sequencial de Kwentzle (u/n)^2
|
PADRÃO
|
Contínua
|
Baixo (1) Médio (3) Alto (5)
|
TERRENO_AT
|
Contínua
|
Área total do terreno, 0 se não há terreno.
|