domingo, 27 de janeiro de 2013

ARTIGO AO CONGRESSO CONSTRUÇÃO; COIMBRA 2012 (PARTE_1)

Como antes havíamos anunciado, fazemos agora a publicação do Artigo que apresentámos no Congresso de Construção, em Coimbra no passado mês de Dezembro. Por ser um artigo bastante extenso, faremos essa apresentação, dividida em  duas partes. Uma primeira  que poderíamos designar de enunciado teórico, e uma segunda ,  em data posterior, que poderíamos designar de resolução prática. Aqui fica:

1.         INTRODUÇÃO

Apesar da relevância de um forte e tradicional mercado de serviços nesta área, a atividade profissional de avaliação imobiliária em Portugal padece de “enfermidades” e resiste fortemente a um “tratamento”. Comparativamente ao que se faz noutras partes do mundo, o atraso é evidente.

Em primeiro lugar, a profissão está completamente desregulada. Há duas associações profissionais, a APAE- Associação Portuguesa de Avaliadores de Engenharia e mais recentemente a ANA- Associação Nacional de Avaliadores, sem quaisquer sinais de convergência entre ambas e ambas com representatividade diminuta face ao universo de profissionais. Neste cenário a CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, parece ter-se outorgado a si própria a capacidade de estabelecer as condições de registo e acesso destes profissionais na avaliação de imóveis de fundos imobiliários, estabelecendo para tal determinados parâmetros e valores mínimos.

Ao nível da avaliação patrimonial fiscal, que afeta uma grande parte dos portugueses, o cenário é idêntico. Aí, o código CIMI - Código do Imposto Municipal sobre Imóveis é “a Bíblia” e nada mais parece importar. Tem havido alguma contestação relativamente ao método de cálculo da avaliação consagrado no código CIMI, cujas debilidades são cada vez mais evidentes face à atual degradação dos valores de mercado.

Neste último domínio, da tributação patrimonial dos prédios urbanos em Portugal e da habitação em particular, é assaz relevante por razões de Estado, de justiça social e equidade, conhecer o efetivo e real valor de mercado e de rendimento dos imóveis. Para tal impõe-se uma profunda reforma legislativa e reguladora da atividade de avaliar que nos aproxime do estado da arte em uso, em comunidades técnica e cientificamente nesta profissão mais desenvolvidas. Estamos a pensar não só no mundo anglo-saxónico mas também na América do Sul, nomeadamente em países como o Brasil com um regime de avaliação fiscal sobre o património reconhecidamente bem regulamentado e respeitado, eficiente e apoiado na análise estatística de mercado.

Entre analistas do mercado imobiliário e investigadores em engenharia de avaliações é consensual que entre todas as variáveis que influenciam no valor dos imóveis, as variáveis ou fatores referentes à localização dos imóveis são as questões mais complexas de analisar e modelar. Os modelos tradicionalmente utilizados na avaliação em massa, baseados na inferência estatística por mínimos quadrados, geralmente apresentam dificuldades para lidar com a complexidade dos fatores de localização.

Os fatores de localização que valorizam os imóveis são inúmeros: proximidade aos centros comerciais, centros de educação, de saúde, segurança pública, padrão construtivo, polos ambientais desejáveis ou indesejáveis, entre outros. A lista completa destes fatores pode ser extremamente ampla. Ao mesmo tempo, a dinâmica urbana produz uma contínua mudança nos efeitos destes fatores sobre o valor dos imóveis: novos investimentos públicos ou privados, novos empreendimentos económicos, atividades comerciais, empreendimentos imobiliários, loteamentos, entre outros, produzem mudanças significativas nas características de cada vizinhança e nos valores dos imóveis. Quase toda a mudança urbana afeta o valor dos imoveis próximos, transformando a localização no fator mais dinâmico da sua valorização e razão de todas as angústias profissionais do avaliador.

Assim, pretendeu-se desenvolver e adotar para uso pessoal e trabalho profissional, um método de determinação do valor da localização dos imóveis de uma região a partir da análise de dados de mercado utilizando modelos de regressão espacial e geoestatísticos. Tomou-se sobretudo como base a análise, verificação, confirmação e simplificação dos processos alcançados por Trivelloni 2005, melhorando contudo a sua performance e realizando um novo modelo de avaliação em massa.

Pretende-se também sensibilizar a comunidade técnica e científica em Portugal para a necessidade e urgência da adoção de regulamentação e normalização de procedimentos e profissionais no exercício da atividade de avaliador imobiliário, por forma a conseguir uma equiparação ao melhor uso e desenvolvimento alcançado no estado da arte noutras latitudes.

2.   Modelos tradicionais de avaliação em massa
Os modelos tradicionais de avaliação imobiliária procuram explicar o valor a partir da estimativa por inferência estatística das variáveis que o influenciam, sendo estas classificadas em características construtivas próprias do imóvel e características de localização, de acessibilidade e vizinhança.

As variáveis de acessibilidade, definidas em função da distância do imóvel a um polo de valorização ou desvalorização, podem não ser estatisticamente significativas nos modelos de inferência. Tal poderá ocorrer como consequência de uma composição insuficiente da amostra ou pela especificação equivocada da função distância no modelo.

As variáveis de vizinhança que definem a localização a partir de áreas onde este efeito pode ser considerado semelhante para os imóveis podem resultar não significativas por insuficiência na amostragem ou por erros na delimitação destas zonas.

Quando as variáveis relacionadas com a localização não são corretamente especificadas podem surgir outros problemas. Além da perda de poder de explicação, a presença de auto correlação espacial nos resíduos invalida uma das hipóteses básicas da inferência, tornando ineficientes as estimativas e inválidos os testes de hipótese.

3.   Métodos de análise espacial
A dependência espacial do valor dos imóveis, produzida pela sua localização, tem mostrado a insuficiência das técnicas tradicionais de inferência para avaliação em massa, levando ao desenvolvimento de técnicas de estatística espacial para o tratamento de dados imobiliários.

Na literatura de avaliação imobiliária existem duas metodologias para o tratamento espacial dos dados: a econometria espacial e seus modelos de regressão; o uso da geoestatística.

Os modelos espaciais trabalham com dois tipos de dados: os geobjetos e os geocampos. Os geobjetos são entidades discretas, geralmente representadas nos Sistemas de Informações Geográficas como pontos, linhas ou polígonos, enquanto os geocampos pertencem a uma distribuição espacial contínua representada geralmente como superfícies. Anselin fundamenta (veja-se [2]) a escolha por um ou outro modelo em função do tipo de dados espaciais considerados. Segundo este autor, os geobjetos devem ser tratados por econometria espacial enquanto que os geocampos devem ser analisados com modelos geoestatísticos. No caso do mercado imobiliário os dados apresentam simultaneamente comportamentos identificáveis como geobjetos e geocampos, devido à natureza dos fatores que influenciam o seu valor, abrindo a possibilidade de tratamento por ambas metodologias.

O uso combinado de ambas técnicas [13] supera algumas das deficiências e limitações dos métodos espaciais, potencializando as suas vantagens com resultados satisfatórios. Permite o tratamento adequado para os dois tipos de variáveis que influenciam o valor: a análise por econometria espacial das características construtivas e a análise por geoestatística dos fatores de localização.

3.1  Econometria espacial
Segundo [1] a econometria espacial é a parte da econometria que lida com o tratamento da estrutura espacial e interações de dados geograficamente distribuídos. A dependência espacial pode ser incorporada nos modelos de regressão de duas formas: no modelo de Desfasagem Espacial e no modelo do Erro Espacial. Formalmente, o modelo de Desfasagem Espacial é expresso da seguinte forma:

Y = ρWy + XB + ε

onde Y é o vetor da variável dependente, ρ é o coeficiente de autocorrelação espacial, W a matriz de pesos espaciais, X é a matriz das observações nas variáveis independentes dos dados, B é o vetor de parâmetros e ε é o vetor de resíduos do modelo.
Por outro lado, o modelo do Erro Espacial é expresso formalmente da seguinte forma:

y = XB + ε,


 ε = λWε + u

onde λ é o coeficiente de auto correlação espacial, u é o vetor de resíduos não correlacionados e os outros termos são os mesmos do modelo anterior.

Estudos sobre auto correlação espacial nos dados do mercado imobiliário e aplicação dos modelos de regressão espacial podem ser encontrados em [3], [7], [8], [9], [11], [12], [13], entre outros.

3.2  Geoestatística e Teoria das Variáveis Regionalizadas
Segundo [6], quando existe dependência entre uma variável aleatória e a sua localização espacial essa variável é chamada de regionalizada. A Teoria das Variáveis Regionalizadas (TVR) dedica-se à análise e inferência espaciais de variáveis que dependem da localização espacial onde são observadas. Segundo este autor, a variação espacial de uma variável regionalizada pode ser expressa pela soma de três componentes. Se o vetor x representa uma posição em uma, duas ou três dimensões, então o valor da função aleatória Z, em x, é dada por:

Z(x) = m (x) + (x) + e¢¢

onde m (x) é uma função determinística que descreve a componente estrutural de Z em x, (x)  é um termo estocástico correlacionado que varia localmente e e¢¢ é um ruído aleatório não correlacionado, com distribuição normal com média 0 e variância  s2

Considerando uma amostra Z(x1), ....,Z(xn), e sendo necessário estimar o valor Z(xo) num ponto x0, o estimador de krigagem Zk define-se como uma combinação linear dos Z(xi) e dos ponderadores λi conforme a expressão seguinte (Chica Olmo, 1994):

Zk = Σi λi Zi

Os ponderadores λi serão obtidos de forma que o estimador Zk seja ótimo, ou seja, a variância do erro seja mínima. São calculados a partir da estrutura geométrica dos dados, atribuindo valores menores aos pontos mais afastados e valores maiores aos pontos mais próximos.

Estudos de aplicação dos métodos geoestatísticos nesta área da avaliação imobiliária podem ser encontrados em [5], [6], [10], [13], entre outros.

4.   Metodologia

Quando analisado o mercado imobiliário numa dada região geográfica, em condições semelhantes de transação e coleta (nomeadamente na mesma época), o respetivo valor dos imóveis poderá ser obtido através do seguinte modelo geral:

V = f (L,T,CFT)

onde V representa o valor do imóvel, L representa as variáveis de localização, T representa o tipo de imóvel e FT representa as características físicas do imóvel em função do tipo.

Segundo [13], entre outros, o valor de localização dos imóveis, considerado como a interação ou efeito combinado de todos os fatores que influenciam na vizinhança do imóvel, pode ser analisado como uma variável regionalizada e modelado por técnicas geoestatísticas.

A expressão geral do modelo utilizado é a seguinte:

VU = VL * FTIPO * FCF1 * FCF2 * ... * FCFn

onde VU é o valor unitário do imóvel, VL representa o valor da localização, FTIPO é um fator de correção dependente do tipo de imóvel e os FCFi representam fatores correspondentes às características construtivas para cada tipo de imóvel.

Para estimar VL é necessário homogeneizar os valores dos dados de mercado em relação às características construtivas dos imóveis. Em [15] o resultado desta homogeneização é um conjunto de valores VH que é um índice que expressa a percentagem não explicada dos valores da variável dependente. Para obtenção dessa percentagem, as estimativas do modelo espacial serão calculadas sem as variáveis ou parcelas que na respetiva equação de regressão não sejam atributos físicos e construtivos. Estas estimativas serão usadas como divisores, do correspondente conjunto original de valores observados e os quocientes obtidos serão o novo conjunto de dados VH. Este conjunto de valores VH representa a percentagem não explicada do valor unitário do metro quadrado dos imóveis. Isto é, não atribuível aos atributos físicos e construtivos e em tese, representativa do valor dos fatores de localização associados aos dados da amostra.

Sendo os imóveis objetos espaciais a metodologia estatística aplicável para homogeneização pertence à econometria espacial.

Para a aplicação do modelo e aferição de valores tomou-se como área de estudo o mercado imobiliário da Vila e Nazaré excluindo os núcleos de Pederneira e Sítio. Os dados usados foram compilados no decorrer do ano 2003/04, em processos de avaliação profissional de forma independente e ao serviço de entidades bancárias como entidades hipotecárias. São ainda os mesmos dados que serviram de base ao estudo referenciado em [14]. No total obteve-se informação correspondente a 175 imóveis dos quais 106 eram apartamentos, 25 moradias, 18 comércios e 26 terrenos urbanos. As características levantadas para todos os imóveis foram as seguintes: tipo de imóvel (terreno, moradia, apartamento ou comércio), localização (coordenadas geográficas do centro da superfície do lote), área bruta de construção, padrão construtivo, idade da imóvel transformada em vetustez através da parábola de Kwentzel, para um máximo de trinta anos. A pesquisa incluiu a área bruta construída e a área total do terreno. A variável “padrão construtivo” assume a notação (1) para padrão baixo, (3) para médio, (5) para padrão alto. No caso de terrenos a notação incide exclusivamente sobre a qualidade da envolvente, dos acessos e dimensão panorâmica. O padrão construtivo,foi uma classificação feita que reporta à data do estudo [14].Contemplou uma lista de atributos do tipo SEL e QUALITEL que incluíram a observação e notação para a envolvente, para os acessos, para o edifício, para a habitação e para a qualidade do projeto e execução, num total de 215 atributos. A notação final usada, resulta da ponderação desses atributos. As variáveis construtivas para os tipos de imóveis foram definidas como se explicita na Tabela 1.

NOME
TIPO
DESCRIÇÃO
ABCONSTRUÇÃO
Continua
Área bruta total Edificável (habit.ou comércio) em m2
MORADIA
Dicotómica
1 se é Moradia, 0 se não.
APARTAMENTO
Dicotómica
1 se é Apartamento, 0 se não.
COMÉRCIO
Dicotómica
1 se é Comércio, 0 se não.
VETUSTEZ
Contínua
Depreciação sequencial de Kwentzle (u/n)^2
PADRÃO
Contínua
Baixo (1) Médio (3) Alto (5)
TERRENO_AT
Contínua
Área total do terreno, 0 se não há terreno.
Tabela 1. Resumo das sete variáveis construtivas dos imóveis da amostra



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

IMI, Reformar É Preciso!


Reproduzimos aqui, por inteiro, uma entrevista a Sidónio Pardal sobre o IMI e fiscalidade. Por concordarmos e secundarmos completamente com o que aqui diz e entendermos que é importante fazer o maior eco possível destas preocupações e propostas. Ajude-nos a divulgar a notícia aqui  :http://www.ionline.pt/portugal/sidonio-pardal-centenas-milhares-pessoas-cairam-na-armadilha-da-propriedade

Sidónio Pardal, orador convidado pela Universidade Católica na conferência de amanhã sobre avaliação geral e tributação do património, defende que esta última não pode ser desligada do rendimento do prédio, real ou presumido. E deve fundamentar-se no princípio do benefício verificável, em que se inclui a protecção à propriedade, que compete ao Estado assegurar.

Como é que o imposto sobre o património deve ser fixado?
O valor de base territorial é determinado pela dimensão do prédio, pela localização e pelos direitos de uso, de construção e de utilização constituídos, sendo neutro em relação ao comportamento do proprietário. O investimento, o bom gosto, a inteligência, a funcionalidade e a qualidade da construção devem ficar de fora.

É mais justo que o IMI?
O valor de base territorial tem uma particular correspondência com a procura de fundamentos e instrumentos para uma política de solos ordenadora do território e reguladora do mercado fundiário. É um conceito de valor lógico e pertinente para ser utilizado em sede de uma tributação fiscal moderna, em que se pretende incentivar a reabilitação e a qualificação arquitectónica do parque edificado.

Quando aparece esse conceito?
Julgo que em 1996, no estudo que de- senvolvi a convite do professor Sousa Franco, na altura ministro das Finanças. E depois noutro estudo que coordenei em 2009, “Tributação do Património e das Grandes Fortunas”, a convite do doutor Carlos Lobo, então secretário de Estado das Finanças. A este nível académico o conceito foi entendido, mas não teve ainda força para passar à prática.

Em que difere da fórmula de tributação do IMI?
No modelo em vigor o conceito de valor fiscal é designado valor patrimonial tributário e o seu cálculo pretende ter como referência o valor de mercado, o que comporta uma irracionalidade sistémica. O valor de mercado só pode ser atribuído aos prédios que efectivamente estão à venda, e portanto nenhum destes valores é apropriado para informar a base de incidência do imposto.
O valor de base territorial é também importante como referência para os agentes de mercado, contribuindo para regular o valor do solo e, nessa medida, também se legitima a sua presunção e adopção como valor fiscal. Se o valor de base territorial se apresenta como um objectivo político a perseguir, já o valor do mercado é determinado por uma relação livre entre a oferta e a procura sobre coisas que estão efectivamente à venda.

O que quer dizer com isso?
Só tem valor de mercado o conjunto de prédios que de boa-fé e sem pressa por parte de quem compra e de quem vende estão disponíveis para ser transaccionados. Aos prédios em utilização, onde habitam as famílias e laboram as empresas, e que não estão à venda, simplesmente não se deve atribuir um valor de mercado. Os próprios avaliadores estão deontologicamente vinculados a não o fazer. Não é correcto extrapolar o eventual valor de mercado de um conjunto parcial de prédios que estão à venda para a globalidade do parque imobiliário.

Mas é essa é a filosofia que está por detrás do IMI...
Claro que está, e é errado. Esse é um dos erros lógicos de todo o sistema. Mas não acontece só em Portugal. Há um claro atraso teórico e de capacidade crítica do direito fiscal e também do urbanismo, que tem desprezado as suas responsabilidades em matéria de economia do território e dos efeitos do planeamento sobre os direitos da propriedade.

Há saídas para a actual situação do IMI?
A configuração de um imposto sobre a tributação do património exige uma consciencialização actualizada das relações da sociedade com o território, e isso não é fácil de alcançar num domínio muito fechado sobre rotinas administrativas e burocráticas. Há resistências naturais à inovação e à racionalidade e um défice de capacidade crítica.

É mais fácil e mais rentável para o Estado funcionar assim?
Seguramente que não é mais rentável, de todos os pontos de vista: harmonia fiscal, coesão social e também o montante da receita. Note-se ainda que o montante da colecta não tem a ver com a base de incidência mas com a taxa fixada sobre ela. O valor fiscal deveria ser indiferente, neutro, em relação ao investimento e ao comportamento do proprietário, no sentido de não penalizar quem investe, qualifica e rentabiliza. Este objectivo seria alcançado com o valor de base territorial.

O valor de base territorial diz apenas respeito ao valor do solo?
Na avaliação imobiliária, um dos critérios a respeitar, seguido pelo modelo alemão, é separar sempre o valor do solo do valor do edificado e das demais benfeitorias realizadas. Isso permite, por exemplo, aplicar o índice de vetustez (a idade do prédio) apenas ao valor do edificado, porque o valor do solo não se desvaloriza com a idade. E, inversamente, permite que o factor de localização apenas se aplique ao valor do solo. O formulário actual do IMI não faz esta diferenciação e comete um erro de racionalidade.

A propriedade está a ser vítima de uma carga fiscal excessiva?
O sistema de planeamento do território fomenta desde 1965 um crescimento cego das urbanizações e construções, alimentado num processo especulativo que originou uma oferta excedentária de lotes e de fogos, que estão devolutos e sem procura. Não se vendem nem proporcionam rendimento e são tributados sem ter isso em conta. Centenas de milhares de pessoas caíram na armadilha da propriedade, vítimas da falta de informação económica, de imprudência urbanística e também, agora, de abuso fiscal.

Qual é a situação do parque imobiliário que não gera rendimento?
São centenas de milhares os lotes em urbanizações inviáveis, que nem sequer se irão iniciar, mas que estão registados na conservatória e nas Finanças e sujeitos a IMI. Nestes casos, o imposto incide sobre uma propriedade virtual. Mas há também lotes vazios em urbanizações acabadas com tipologias que não se vendem. Por fim, temos os edifícios já construídos que também não têm procura porque são excedentários. Os proprietários sentem-se agrilhoados a uma dependência fiscal sem solução à vista. Devia haver uma atenção específica a estas situações, considerando a escala do problema. Esses proprietários nem sequer sabem a quem se queixar, nem quem lhes pode valer. É também neste universo que se encontram os activos sobreavaliados em sede de crédito hipotecário, que se estimam em mais de 80 mil milhões de euros.

O IMI poderia ser um imposto razoável?
A tributação de um prédio é indissociável da sua função social, do seu sentido útil e do perfil de rendimento do seu utilizador. Não referi o proprietário porque este imposto não é analítico. Estes factores, observados ao nível das comunidades locais e da economia real das famílias e das empresas, são determinantes para a fundamentação do montante justo e razoável da colecta. A colecta não pode ser o resultado de uma equação abstracta e de uma aplicação fria de uma taxa ao valor fiscal. O território e o parque imobiliário não podem ser reduzidos a um negócio. Mesmo fiscalmente, tem de se compreender que se está a tratar de necessidades básicas de agregados familiares e de empresas. O imposto sobre o património nunca deve entrar na banda das rendas, sob pena de ferir de morte o direito da propriedade.

O IMI pesa de forma diferente sobre famílias e empresas?
Teoricamente o IMI é um imposto sobre a propriedade em si, ignorando quem a possui. Na prática acaba por não ser bem assim. Quando se introduzem critérios para atribuir isenções introduz-se um carácter analítico a um imposto que não o deve ser. No caso dos prédios que fazem parte dos meios de laboração e de produção de empresas é por demais evidente que não tem sentido estabelecer uma relação directa e proporcional entre o valor patrimonial do prédio e o imposto. Um hotel ou um hospital e outros edifícios que sustentam negócios e serviços são, no seu conjunto, factores de produção equiparáveis a máquinas na indústria e requerem um tratamento especial em sede de tributação fiscal. Sob pena de se estar a penalizar e a desmotivar o investimento produtivo.

É contra as isenções?
As isenções podem funcionar como manobra de distracção de quem está a comprar um imóvel recorrendo ao crédito. O comprador tende a olhar apenas para o encargo mensal e não conta com o IMI e outros encargos que de certo modo se ocultam no acto da compra. Há uma subestimação dos encargos efectivos que estão a ser assumidos.

Há outras situações de injustiça grave?
Veja-se o caso dos senhorios que só tiveram um prazo de três meses em 2003 para declarar as rendas congeladas. Os que não o fizeram podem estar a pagar de IMI mais do que recebem em rendas. Esta situação não é aceitável. A lei nunca deve impor prazos fechados para a declaração da verdade. Nem impedir a sua reposição.

E os processos de reavaliação?
A lei não deve impor custos que desmotivem ou penalizem o cidadão em aceder aos seus direitos. O IMI tem claramente uma vertente de negação do direito à reclamação, com os custos exorbitantes que impõe ao acto reclamatório.

Acha bem a actualização dos prédios urbanos, ignorando praticamente a propriedade rústica?
Creio que estamos perante uma flagrante violação do princípio da igualdade.

Vai haver muitas insolvências devido ao aumento de IMI?
Podíamos ter um IMI aplicado a toda a propriedade, aos cerca de 18 milhões de prédios rústicos e urbanos do país, e proporcionar aos municípios uma receita razoável, justa e estável. O IMT – a SISA que devia ter acabado – mais do que duplicou a receita, o que é um acto de irracionalidade porque afecta a mobilidade das famílias e das empresas e tira fluidez ao mercado imobiliário.